Continuamente chegam à redação de
ZENIT várias questões e dúvidas. São dos diversos leitores de língua
portuguesa, com os mais variados temas.
Reunimos algumas delas,
referentes dessa vez ao Papa Francisco e o seu pontificado, e entrevistamos o
Cardeal Dom Raymundo Damasceno Assis que se dispôs a responder os nossos
questionamentos.
Dom Raymundo Damasceno Assis é o
atual arcebispo de Aparecida, SP, presidente da Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil e membro do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais e da
Pontifícia Comissão para a América Latina, na Santa Sé.
Essa entrevista toca
essencialmente quatro pontos: as questões sobre a Vida, a comunhão do fiel
católico com o Papa, a Igreja missionária e a posição do Papa sobre as questões
morais.
O Papa Francisco e as questões
da Vida
Os temas relacionados à vida
estão no coração da Igreja Católica - e não só de alguns grupos, como às vezes
pode-se pensar. O Papa Francisco também tem essa temática no coração. O cardeal
destaca que o Papa “tem tomado posição firme e corajosa contra tudo que fere a
dignidade da pessoa humana”.
Comunhão afetiva e efetiva ao
Papa
A atitude de todo católico diante
de um Papa deve ser, em primeiro lugar, de benevolência, de aceitação dos seus
ensinamentos. Disse Dom Raymundo que “O fiel católico deve aceitar não só os
ensinamentos sobre a fé e a moral proclamados definitivamente pelo magistério
da Igreja, mas também, os ensinamentos do magistério autêntico proposto não de
maneira definitiva”.
“Cada Papa tem suas
características próprias, mas para o católico ele é sempre o sucessor de Pedro,
o princípio e o fundamento visível da unidade de fé” com quem devemos estar em
comunhão afetiva e efetiva. “comunhão que se traduz na oração por ele e no
acatamento aos seus ensinamentos e orientações.”
Para aqueles católicos que
insistem em obedecer só o que o Papa fala de modo infalível, disse Dom
Damasceno: “O fiel católico deve acolher não só o que o magistério da Igreja
propõe como definitivo, infalível”. Também deve-se acolher, por exemplo, a sua
pregação ordinária, destacou o prelado.
Igreja missionária
Também o Santo Padre tem falado
muito de ir às periferias. O que significa isso? Disse Dom Damasceno que “A
Igreja é para o mundo e não o mundo para a Igreja” e é por isso que “Não basta
a pastoral da acolhida, é necessário, também, sair ao encontro dos que não
participam da Mesa do Senhor”.
Temas morais
“Quanto aos temas morais, o Papa
Francisco tem dado uma abordagem mais propositiva sem, contudo, mudar a
doutrina da Igreja.”, esclareceu o cardeal.
Num mundo marcado pelo
relativismo, disse Dom Raymundo: “Devemos lembrar das palavras de Cristo aos
seus apóstolos: “quem vos escuta, a mim escuta.” (Lc 10,16). Por isso, os fiéis
devem receber com docilidade os ensinamentos e as diretrizes que o Papa e os
Bispos lhes dão sob diferentes formas”, concluiu assim, respondendo à última
questão de se o católico pode confiar no Papa Francisco.
Acompanhe a entrevista na
íntegra:
***
ZENIT: O Papa Francisco tem se
mostrado a favor da vida no seu Pontificado?
Dom Raymundo Damasceno: A posição
do Papa Francisco em relação ao tema da vida é a posição que a Igreja sempre defendeu:
a vida é o primeiro direito e o fundamento dos outros direitos e por isso, deve
ser acolhida, respeitada e promovida em todas as suas fases de desenvolvimento,
desde o seu começo até o seu fim natural. O Papa Francisco tem tomado posição
firme e corajosa contra tudo que fere a dignidade da pessoa humana. A vida
plena que Jesus veio trazer (Jo 10,10) não é só a participação na vida divina,
mas vida com dignidade em todas as dimensões que inclui humanização,
reconciliação, inserção social, numa palavra, libertação integral.
ZENIT: Qual deveria ser a
atitude de um católico com relação ao Papa? Um católico que dissesse que só
segue um Papa "ex cathedra", ou seja, que só segue o Papa quando fala
de forma infalível, está cultivando uma atitude sadia, uma atitude de um
verdadeiro católico?
Dom Raymundo Damasceno: O fiel
católico deve aceitar não só os ensinamentos sobre a fé e a moral
proclamados definitivamente pelo magistério da Igreja, mas também, os
ensinamentos do magistério autêntico proposto não de maneira definitiva.
Igualmente, o católico deve aceitar o magistério ordinário do Papa e dos Bispos
que é exercido no seu serviço diário ao povo de Deus por meio da pregação,
alocução, aprovação de catecismos. O Papa e os Bispos são revestidos da autoridade
de Cristo e a eles, como pastores, foi confiada a missão de interpretar
autenticamente a palavra de Deus escrita ou transmitida. É claro que, em todas
manifestações do magistério, deve-se ter em conta o empenho, da autoridade com
que o Papa e os Bispos em comunhão com ele, exercem seu magistério.
ZENIT: Ultimamente o Papa tem
feito um apelo à fome no mundo, que é um escândalo do egoísmo. Ir às periferias
existenciais e sociais parece ser uma marca de Francisco. Como não associar
esse "ir às periferias" com a proposta antiga da Teologia da
Libertação, muito socializante?
Dom Raymundo Damasceno: A Igreja
é para o mundo e não o mundo para a Igreja. Jesus enviou os seus discípulos a
anunciar o evangelho a todos os povos. “Ide por todo o mundo, proclamando a Boa
Notícia a toda a humanidade.” (Mc 16,15). O que o Papa Francisco está pedindo é
o que Jesus ordenou aos seus discípulos: sair, partir ao encontro daqueles que
vivem nas periferias não só geográficas, mas também, existenciais, àqueles em
cujas vidas o evangelho não tem nenhuma ou quase nenhuma influência. Não basta
a pastoral da acolhida, é necessário, também, sair ao encontro dos que não
participam da Mesa do Senhor. Esta opção não é ideológica, e sim,
evangélica; é fruto da união e do amor a Jesus Cristo.
ZENIT: Criar a cultura do
encontro, ir às pessoas de forma individual, tratar a pessoa humana como
indivíduo e não como massa, são atitudes que o Papa Francisco está demonstrando
no seu pontificado. Esse exemplo do Papa chega no coração das pessoas, e atrai
muita gente, até mesmo inimigos antigos da Igreja, para a Igreja, para o
diálogo com a Igreja. O que pode significar isso?
Dom Raymundo Damasceno: O Papa
Francisco na sua viagem pastoral ao Brasil insistiu muito na cultura do
diálogo, do encontro, na valorização do outro, pois ninguém é tão pobre que não
tenha algo a oferecer e ninguém é tão rico que não tenha nada a receber. Esta
atitude de abertura, disponibilidade, sem preconceitos em relação ao outro, o
Papa Francisco definiu como “humildade social” que é o que favorece o diálogo.
Numa sociedade marcada pelo individualismo, o egoísmo na qual vigora a divisa:
“cada um por si, Deus por todos”, o Papa Francisco vem nos recordar que em
Jesus Cristo somos todos irmãos e irmãs e, por isso, somos chamados ao respeito
mútuo, ao encontro, ao diálogo, à partilha, ao intercâmbio, à solidariedade. A
aproximação do Papa Francisco com o povo, sua simplicidade tem atraído muitos
peregrinos a Roma.
Ouvi alguém dizer em Roma que no
tempo de João Paulo II, os peregrinos iam a Roma para ver o Papa; no tempo de
Bento XVI, para escutá-lo e, agora, os peregrinos vão a Roma para tocar no Papa
Francisco.
ZENIT: Para aquelas pessoas
que ainda não conseguem entender o Papa Francisco, que ainda se sentem mal
diante desse pontificado, que sentem saudade do Papa Bento, do Papa João Paulo
II, o que o senhor diria? O que o Papa Francisco tem insistido mais aos
católicos, por exemplo, quando ele disse que "não devemos privatizar a
Igreja", ou quando falou sobre os "cristãos ideologizados?
Dom Raymundo Damasceno: Cada Papa
tem suas características próprias, mas para o católico ele é sempre o sucessor
de Pedro, o princípio e o fundamento visível da unidade de fé; o pastor de toda
a Igreja com o qual devemos estar em comunhão afetiva e efetiva, comunhão que
se traduz na oração por ele e no acatamento aos seus ensinamentos e
orientações. O Papa Francisco, diferentemente, dos seus antecessores decidiu
residir na Casa de Santa Marta e não no Palácio Apostólico. Outra diferença
está em suas homilias, elas são simples e as que são feitas na missa diária, na
Casa de Santa Marta, são divulgadas pela mídia e tem um cunho muito familiar e
sempre um tom positivo. Quanto aos temas morais, o Papa Francisco tem dado uma
abordagem mais propositiva sem, contudo, mudar a doutrina da Igreja. “O amor
salvífico de Deus é prévio à obrigação moral e religiosa.” O Papa Francisco tem
afirmado que a Igreja não poder estar fechada, não pode reduzir-se a uma
instância prestadora de serviços, mas deve abrir suas portas e sair ao
encontro das pessoas distanciadas, afastadas, esquecidas.
ZENIT: Cada um pode ter a
própria opinião sobre os diversos temas, e é verdade que o Papa não fala de
forma infalível em todas as circunstâncias da vida dele, por exemplo, quando dá
uma entrevista, quando escreve uma carta, quando dá uma mensagem ou quando
escreve uma encíclica. Mas, com qual espírito uma pessoa deveria ler uma
entrevista do Papa, ou as suas palavras numa homilia?
Dom Raymundo Damasceno: O fiel
católico deve acolher não só o que o magistério da Igreja propõe como
definitivo, infalível. O magistério autêntico, exercido, por exemplo, quando o
Papa escreve uma encíclica e o magistério ordinário que é o serviço diário que
o Papa e os Bispos prestam ao povo de Deus por meio da pregação, aprovação de
um catecismo, devem ser igualmente acolhidos.
ZENIT: Por último, os
católicos do mundo podem confiar no Papa Francisco? Por que?
Dom Raymundo Damasceno: Num mundo
marcado pelo subjetivismo, pelo relativismo e por uma avalanche de notícias, o
homem de hoje corre o risco de ser manipulado e de perder o senso crítico,
sobretudo, nas questões da fé e da moral. Devemos lembrar das palavras de
Cristo aos seus apóstolos: “quem vos escuta, a mim escuta.” (Lc 10,16). Por
isso, os fiéis devem receber com docilidade os ensinamentos e as diretrizes que
o Papa e os Bispos lhes dão sob diferentes formas.
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