Só que os presentes do presente
Natal são apenas ponto de partida para outra conversa. É que a humanidade
recebeu um presente, o maior de todos, quando o Verbo de Deus se fez carne no
ventre da Virgem Maria. Não se trata de um acontecimento de somenos
importância, mas "do acontecimento" que mudou a história do mundo,
diante do qual mudaram-se as datas e os corações das pessoas. E os cristãos,
chamados a cuidar do grande legado da fé, têm a responsabilidade de anunciar a
todos a grande notícia, que é alegria para todo o povo e todas as gerações.
"Natal é o encontro com Jesus. Deus sempre buscou seu povo e o guiou,
tomou conta dele e prometeu que estaria sempre perto. No Livro do Deuteronômio
lemos que Deus caminha conosco, guia-nos pela mão como um pai faz com seu
filho. Isto é maravilhoso. O Natal é o encontro de Deus com seu povo, e é
também um mistério de consolação" (Papa Francisco, em recente entrevista
ao jornal italiano "La Stampa").
O presente de Deus à humanidade é
sinal da condescendência para com cada pessoa e com todas as situações vividas.
Lição de carinho pensado desde a eternidade no plano de Deus, com o qual fomos
feitos por amor, no amor e para o amor. Um mundo que foi planejado para que as
pessoas sejam felizes, e não para a perdição. A plenitude dos tempos, seu
amadurecimento realizado irrompeu quando a Virgem Maria deu à luz o Menino de
Belém.
Sua presença veio mostrar que a
vida humana vale muito, tanto que tem o preço do amor infinito de Deus. Em
tempos como o nosso, em que a vida é vilipendiada, desprezada e jogada no lixo
das cidades e da história, o Menino do Presépio é testemunha de que a
humanidade só encontrará sua estrada de realização e felicidade quando a sementinha
de vida for acolhida com amor, tratada com carinho e custodiada da fecundação
até seu ocaso natural. Não podemos iludir-nos! As falcatruas legais com as
quais a vida vem a ser destruída trarão suas consequências, pois o salário do
pecado é a morte (Cf. Rm 6, 23).
A Sagrada Escritura está recheada
de repreensões feitas pelo Senhor a um povo de cabeça dura. Os sucessivos
profetas não hesitaram em lançar em rosto justamente ao povo que pertencia a
Deus suas censuras. E o povo de nosso tempo, cuja herança da fé cristã foi dada
em legado, o que fez dos valores do Evangelho? Não é segredo que muitas vezes o
"mea culpa" do reconhecimento dos pecados foi feito por nós cristãos
e haverá de ser sempre atual. Não basta enfeitar-nos em trajes de festa e jogar
para debaixo do tapete nossa incoerência. Somos nós os que primeiro devem tomar
consciência de que os valores do Evangelho, como a verdade e a sinceridade, o
amor à vida e a seriedade na administração dos bens materiais e espirituais,
foram desprezados e a esperteza ou os interesses passaram na frente. A falta de
lisura na prestação de contas, os desvios de verbas públicas e o "por
fora" da corrupção são absolutamente incoerentes com o cristianismo.
Cuidar do presente recebido de Deus é ter a coragem de recomeçar, reconhecer
erros cometidos, limpar as mãos e o coração. Este é um apelo urgente, em nome
do Natal.
A história mostra que o
cristianismo, malgrado as falhas de todos os que o professam, gerou cultura. É
impensável separar a arte dos séculos passados da benéfica influência do
Evangelho. Nasceram da Igreja expressões pictóricas e esculturais e peças
musicais em profusão. Em muito, foi à sombra da Igreja que o teatro se
desenvolveu e consolidou. Os monumentos históricos têm incrustados em seus
traços as virtudes e os pecados de gerações de cristãos. E a educação, ou a
saúde e tantas ações sociais? A sensibilidade e a solidariedade foram
cultivadas a partir do Evangelho e por ele sustentadas. Ignorar a Igreja,
pretender jogá-la no lixo da história é no mínimo injustiça. Mas é ainda
cegueira pura a pretensa iluminação dos que julgam ser os novos criadores do
universo a partir do nada. Assistimos em nossos dias ao espetáculo do laicismo
militante, tributário dos muitos desastres que já se entreveem. Parecemos crianças
que teimam em por a mão na tomada. O choque já veio e virá!
Muito maior é a vertente
positiva, com a qual podemos celebrar mais uma vez o Natal. Continuam
verdadeiros os sentimentos mais autênticos nascidos do Presépio. É ainda e
sempre será bom e bonito espalhar presentes, ir ao encontro dos mais pobres,
experimentar a partilha dos bens, sorrir, saudar os outros com afeto. É nosso
programa para estes dias, para recuperar todas as lições dos muitos natais da
história e de nossa vida pessoal. É do Papa Francisco a lição do Natal de 2013,
na citada entrevista: "Deus nos diz duas coisas. A primeira: tenham
esperança. Deus sempre abre as portas e nunca as fecha. Ele é o pai que nos
abre as portas. Segunda: não tenham medo da ternura. Quando os cristãos se esquecem
da esperança e da ternura se transformam numa Igreja fria, que não sabe para
onde ir e se enrola em ideologias e atitudes mundanas, enquanto a simplicidade
de Deus te diz: vai para frente, eu sou um Pai que te acaricia. Tenho medo
quando os cristãos perdem a esperança e a capacidade de abraçar e
acariciar".
É tempo de preparar-se,
despojando-nos de preconceitos, purificando o coração, jogando fora o que
existe de mais velho em nós, o egoísmo, para revestir-nos dos mesmos
sentimentos, que foram os de Jesus Cristo, Filho de Deus, nascido em Belém,
morto e ressuscitado, presente na história, vivo para sempre. A Ele sejam dadas
a honra e a glória, hoje e em todos os séculos, pela eternidade.
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém – PA
Nenhum comentário:
Postar um comentário