Em princípio, teológica e canonicamente falando, não há óbice a que um dia o papa crie um cardeal do sexo feminino"
Correu pela Internet meses atrás a tradução de um artigo de Juan Arias, do diário espanhol El Pais. O jornalista perfilha a tese de que é factível a nomeação de uma mulher como cardeal. Assevera, ainda, que o papa Francisco estaria cogitando acerca dessa possibilidade.
Ao largo da história bimilenar da Igreja católica, já foram “criados” (este é o termo correto: “criar” cardeal) ao menos dois cardeais leigos (que não são padres), homens pertencentes à aristocracia. Jamais uma mulher alçou este posto. Todavia, em princípio, teológica e canonicamente falando, não vejo óbice a que um dia o papa crie um cardeal do sexo feminino.
O cardinalato, na sua essência, não está atrelado ao sacramento da ordem. Com efeito, Francisco, em julho de 2013, no voo do Rio a Roma, afirmou que a ordenação de mulheres é um assunto encerrado, ou seja, a Igreja não pode (non possumus) administrar o sacramento da ordem a uma mulher, tornando-a um padre, ou, melhor dizendo, uma sacerdotisa. Tal posicionamento deflui de uma decisão ex cathedra, isto é, dogmática e definitiva, tomada pelo beato João Paulo II, em estrita sintonia com a tradição sagrada, que, ao lado da bíblia, também é fonte da fé cristã.
Nos termos da legislação canônica em vigor, apenas homens podem ser criados cardeais. Além disso, têm de ser ao menos padres e, tão logo elevados ao cardinalato, devem ser sagrados bispos (cânon 351). Em outras palavras: hoje em dia todo cardeal é bispo. No entanto, esta praxe não está fundamentada no direito divino positivo e, assim, é plenamente passível de mudança.
Os cardeais constituem um grupo seleto de eclesiásticos que auxiliam diretamente o papa no governo da Igreja (cânon 353, §1.º). São - guardadas as devidas proporções - como os ministros de Estado. Uma mulher cumpriria muito bem essa missão na Igreja, da mesma forma que já desempenha papel semelhante na sociedade civil, desde que a função específica não implicasse o exercício do denominado poder de regime ou de governo, divinamente reservado ao clero (cânon 129, §1.º).
A participação de uma mulher em um conclave, escolhendo um novo papa, é um assunto mais delicado. Talvez ela pudesse participar somente com voz ativa, isto é, elege, mas não pode ser eleita. Para exercer o supremo pastoreio da Igreja é necessário ser homem, não necessariamente padre, pois, em tese, um leigo também pode ser eleito papa.
Independentemente de o tema ora discorrido haver ou não passado pela cabeça do santo padre, a discussão é relevante porque põe em destaque o fato de que existem muitos pontos na disciplina eclesiástica que efetivamente podem ser alterados, reformulados e adaptados às demandas modernas.
Edson Sampel é Teólogo, Doutor em Direito Canônico e membro da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp).
Nenhum comentário:
Postar um comentário